Reuníamos ali, na varanda do barraco, ao lado de uma
vitrola modelo 3 em 1 - com toca discos, fita e rádio - usual no começo dos
anos 90, para ouvir diversas músicas do cancioneiro popular da época: Zezé de
Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo e outros sertanejos. Da varanda ganhamos
as ruas, poucos meses depois circulávamos a cidade em busca de shows gratuitos
de pagode. Assim pudemos ver grupos de pagode tocados exasperadamente pelas
rádios da época como Raça Negra, Só pra Contrariar, Asa de Águia e outros
evidentes do momento.
Depois ouvimos muitas outras coisas e chegamos a ser
roqueiros, clubbers, hippies, mas o hip hop fez parte em todo este tempo, de
forma entrelaçada, na nossa busca de identidade. No caso do meu irmão foi o rock,
do Penera foi o pop e o Caneca virou hippie de fazer pulseirinha.
No caso do nosso grupo a MPB foi uma descoberta
radical, tanto quanto o hip hop, na sua expressão artística muitas vezes
articulada com uma ideia radical, uma crítica presente nas músicas dos grandes compositores
brasileiros. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque são os mais
conhecidos. Também muita beleza e potência em cantoras como Elis Regina, Gal
Costa e Maria Bethânia que até hoje se mantem presentes nos ouvidos dos
brasileiros.
A música sem dúvida é porta de entrada para um
conjunto de costumes como o jeito de se vestir, as gírias, um pouco do jeito de
ser e pensar. Claro que cada ser humano é único e também nas relações humanas
não dá para generalizar, mas é nítido de como a cultura participa na formação
da vida da juventude, em todo o mundo.
São tantos grupinhos de jovens que sofrem repressão
por estarem nas ruas, praças e espaços públicos. Que lugar disponível que os
jovens realizar seus encontros, celebrar o brilho nos olhos, se relacionarem
entre si? Tem a convicção que vão mudar o mundo, mas a maior parte ainda vive
com os pais e conforme suas regras no espaço de casa.
Somos de um grupinho que aprendeu que não deveríamos
sair das ruas, as ruas que teriam que ser seguras para que estivéssemos lá.
Também entendemos que isso só seria possível se as pessoas estivessem nas ruas.
Ruas desertas abrigam lobos. Mas os jovens incomodam, fazem barulhos,
contestam, atrapalham o sono dos justos, mas seguem com a convicção que mudarão
o mundo.
Aos poucos fomos descobrindo que não era tão fácil
assim. Entendemos que cultura não era só arte, mas costumes. Foi triste
perceber que há uma cultura de matar jovens negros e pobres na periferia. Passa
a ser cultural, de costume, rotina e por consequência “normal”.
Um
relatório da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) da Presidência da República
estima que em 2012 mais da metade dos mortos por homicídios no Brasil eram
jovens. Destes, 77% eram negros (assim considerados a soma de pretos e pardos)
e 93,3% eram homens.
Ao mesmo tempo em que os jovens são os que mais
morrem por assassinato no Brasil, a forma como os adultos enxergam a juventude
ainda é com olhar de desconfiança, não é atoa que a pauta da redução da
maioridade penal ganhou tanta força como nos últimos tempos. Também não há um programa público que consiga
responder as necessidades da juventude, mesmo porque para isso seria necessário
mudar a forma de como a sociedade inteira funciona, passando por distribuição
de renda, formação e pensamento crítico.
Entre o jovem, o Estado e sua força policial, o
mercado de trabalho, o crime organizado ou não organizado, a corda mais fraca
com certeza é a da juventude.
O mesmo relatório da
SNJ divulgou que atividades como ir ao Cinema, shows ou teatro, não é acessível
para muitos jovens, devido à falta de recursos financeiros e apresenta o acesso
da juventude a estas atividades: 28% dos jovens entrevistados nunca foi ao
cinema; 36% nunca foi a um show de musica
brasileira; 62 % nunca foi shows de pop,
rock ou funk ; 38% nunca foi ao teatro.”
As atividades mais realizadas são os passeios aos parque, sair com os amigos,
ir ao shopping por não envolverem custo direto. A ausência de equipamentos
culturais nas quebradas é um dos grandes problemas pela falta de acesso nas
atividades culturais.
É natural que os seres humanos na idade da juventude
queiram se colocar no mundo, pois há no peito uma necessidade de expressão em
erupção e uma busca de identidade aguda, interferir na forma das coisas, das
regras, das autoridades e muitas vezes são por meio das artes que os jovens
conseguem vocalizar, expressar ou mesmo ilustrar suas ideias, práticas e
posições.
Apesar dos números
alarmantes, nossa turminha é otimista, podemos ver também diversos trabalhos de
formação cultural e humana para crianças e jovens nas comunidades mais pobres.
São artistas, educadores, grupos de pessoas inquietas que necessitam mudar um
pouco dessa realidade brutal e tão distante dos diretos sociais.
Entendendo a cultura como modo de vida, a arte e o
conhecimento podem servir como mecanismos, ou ferramentas, que possibilitam que
os jovens consigam interferir na realidade. Então, aqui, juntou a fome com a
vontade de comer, por que os jovens naturalmente buscam a rua, procuram se
relacionar, conviver e pertencer há algum grupo e nestas ocasiões um violão
sempre aparece, um poema na cabeça e um livro na mão. Ai já era.
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