terça-feira, 25 de agosto de 2015

Juventude e Cultura.

Reuníamos ali, na varanda do barraco, ao lado de uma vitrola modelo 3 em 1 - com toca discos, fita e rádio - usual no começo dos anos 90, para ouvir diversas músicas do cancioneiro popular da época: Zezé de Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo e outros sertanejos. Da varanda ganhamos as ruas, poucos meses depois circulávamos a cidade em busca de shows gratuitos de pagode. Assim pudemos ver grupos de pagode tocados exasperadamente pelas rádios da época como Raça Negra, Só pra Contrariar, Asa de Águia e outros evidentes do momento.

Depois ouvimos muitas outras coisas e chegamos a ser roqueiros, clubbers, hippies, mas o hip hop fez parte em todo este tempo, de forma entrelaçada, na nossa busca de identidade. No caso do meu irmão foi o rock, do Penera foi o pop e o Caneca virou hippie de fazer pulseirinha. 

No caso do nosso grupo a MPB foi uma descoberta radical, tanto quanto o hip hop, na sua expressão artística muitas vezes articulada com uma ideia radical, uma crítica presente nas músicas dos grandes compositores brasileiros. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque são os mais conhecidos. Também muita beleza e potência em cantoras como Elis Regina, Gal Costa e Maria Bethânia que até hoje se mantem presentes nos ouvidos dos brasileiros.

A música sem dúvida é porta de entrada para um conjunto de costumes como o jeito de se vestir, as gírias, um pouco do jeito de ser e pensar. Claro que cada ser humano é único e também nas relações humanas não dá para generalizar, mas é nítido de como a cultura participa na formação da vida da juventude, em todo o mundo.

São tantos grupinhos de jovens que sofrem repressão por estarem nas ruas, praças e espaços públicos. Que lugar disponível que os jovens realizar seus encontros, celebrar o brilho nos olhos, se relacionarem entre si? Tem a convicção que vão mudar o mundo, mas a maior parte ainda vive com os pais e conforme suas regras no espaço de casa.

Somos de um grupinho que aprendeu que não deveríamos sair das ruas, as ruas que teriam que ser seguras para que estivéssemos lá. Também entendemos que isso só seria possível se as pessoas estivessem nas ruas. Ruas desertas abrigam lobos. Mas os jovens incomodam, fazem barulhos, contestam, atrapalham o sono dos justos, mas seguem com a convicção que mudarão o mundo.

Aos poucos fomos descobrindo que não era tão fácil assim. Entendemos que cultura não era só arte, mas costumes. Foi triste perceber que há uma cultura de matar jovens negros e pobres na periferia. Passa a ser cultural, de costume, rotina e por consequência “normal”.

Um relatório da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) da Presidência da República estima que em 2012 mais da metade dos mortos por homicídios no Brasil eram jovens. Destes, 77% eram negros (assim considerados a soma de pretos e pardos) e 93,3% eram homens. 

Ao mesmo tempo em que os jovens são os que mais morrem por assassinato no Brasil, a forma como os adultos enxergam a juventude ainda é com olhar de desconfiança, não é atoa que a pauta da redução da maioridade penal ganhou tanta força como nos últimos tempos.  Também não há um programa público que consiga responder as necessidades da juventude, mesmo porque para isso seria necessário mudar a forma de como a sociedade inteira funciona, passando por distribuição de renda, formação e pensamento crítico.   

Entre o jovem, o Estado e sua força policial, o mercado de trabalho, o crime organizado ou não organizado, a corda mais fraca com certeza é a da juventude.

O mesmo relatório da SNJ divulgou que atividades como ir ao Cinema, shows ou teatro, não é acessível para muitos jovens, devido à falta de recursos financeiros e apresenta o acesso da juventude a estas atividades: 28% dos jovens entrevistados nunca foi ao cinema;  36% nunca foi a um show de musica brasileira;  62 % nunca foi shows de pop, rock ou funk ;  38% nunca foi ao teatro.” As atividades mais realizadas são os passeios aos parque, sair com os amigos, ir ao shopping por não envolverem custo direto. A ausência de equipamentos culturais nas quebradas é um dos grandes problemas pela falta de acesso nas atividades culturais.

É natural que os seres humanos na idade da juventude queiram se colocar no mundo, pois há no peito uma necessidade de expressão em erupção e uma busca de identidade aguda, interferir na forma das coisas, das regras, das autoridades e muitas vezes são por meio das artes que os jovens conseguem vocalizar, expressar ou mesmo ilustrar suas ideias, práticas e posições.

Apesar dos números alarmantes, nossa turminha é otimista, podemos ver também diversos trabalhos de formação cultural e humana para crianças e jovens nas comunidades mais pobres. São artistas, educadores, grupos de pessoas inquietas que necessitam mudar um pouco dessa realidade brutal e tão distante dos diretos sociais.

Entendendo a cultura como modo de vida, a arte e o conhecimento podem servir como mecanismos, ou ferramentas, que possibilitam que os jovens consigam interferir na realidade. Então, aqui, juntou a fome com a vontade de comer, por que os jovens naturalmente buscam a rua, procuram se relacionar, conviver e pertencer há algum grupo e nestas ocasiões um violão sempre aparece, um poema na cabeça e um livro na mão. Ai já era.


Nenhum comentário: